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Mova-se

16/07/2011

Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos faz moradores escreverem suas primeiras palavras; programa é uma parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Ela nasceu Margarida dos Reis. Os 71 anos de idade trataram de adicionar naturalmente a “Dona” ao seu nome. Hoje, indissociável um do outro. Dona Margarida. E dona de muita energia, de uma risada fácil, mas de passo firme. Junto com dezenas de histórias, o tempo trouxe também uma calma típica de quem já viu e viveu muita coisa. E não seria a essa altura da vida que teria pressa em contar todas elas. No refeitório do Projeto Arrastão conversamos sobre seu grande sonho: estudar; aprender.

Mineira de Três Pontas, cidadezinha de 55 mil habitantes em Minas Gerais, Dona Margarida nasceu no meio da terra, como ela própria diz. Do município, onde têm familiares, ganhou apenas o cartório para resgitrar seu nascimento. De verdade mesmo veio ao mundo e sempre viveu em alguma das dezenas de fazendas de café da região. Qual ela não lembra. Ou não existe mais. “Tanto faz, né”, sorri nessa parte.

Em busca de trabalho, de uma vida melhor, veio para São Paulo no meio dos anos 1960. A data, ao certo, ela não lembra. Mas criou uma tática infalível, que alguém que não sabe ler e escrever direito deveria sempre ter a mão para não se perder no tempo. “Sabe o ano em que aquele presidente dos Estados Unidos morreu? Aquele que mataram? Então, eu tinha acabado de chegar à cidade. Eu me lembro disso. É o que me ajuda a lembrar quando vim pra São Paulo”, conta.

De casa em casa, família em família, como empregada doméstica, Dona Margarida foi construindo sua vida. Morou em diversos bairros – do Ipiranga à Brasilândia. No Parque Pinheiros, Taboão da Serra, chegou há três décadas depois da morte de seu marido. E por lá fincou suas raízes. Criou sua filha, hoje com 37 anos de idade. De tanto ouvir falar sobre o Projeto Arrastão decidiu conhecer. Soube que aqui aconteciam aulas do MOVA – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, programa da Prefeitura de São Paulo em parceria com organizações comunitárias. Foi então que decidiu colocar em prática um plano de muitos anos: aprender a ler e escrever.

Sobre isso, Dona Margarida mesmo é quem conta: “Eu gosto muito de estudar. Quero ler e escrever e não depender dos outros. Esse é o meu sonho. Hoje eu até leio bem, mas algumas coisas ainda não consigo. Eu tenho dificuldade em pontuação”, fala com um brilho nos olhos. Na alfabetização começou a partir da segunda série, depois de um teste de conhecimentos aplicado pelos professores. Agora enfrenta o desafio de vencer a quarta série e partir para o EJA – Educação para Jovens e Adultos, programa desenvolvido em escolas da região com objetivo de fomentar a continuidade dos estudos. Repetiu a quarta série, é verdade. Mas não esmoreceu com isso. Pelo contrário.

A mesma persistência com que venceu os desafios da vida, Dona Margarida vence também a idade, a distância, o cansaço e, às vezes, o mal tempo, só para poder participar das aulas, que acontecem quatro vezes por semana nas salas do CCA – Centro para Criança e Adolescente. Persistência, aliás, é sua marca registrada. Dizem que a única coisa capaz de fazê-la faltar seria uma chuva de canivetes. Exageros à parte, é mesmo do Céu que desaba as justificativas para quando ela não aparece em sala. “Eu só não venho se encher de água aqui na rua, como acontece quando chove forte. Ou então se acontecer aquela chuva que sombrinha não aguenta, sabe? Aí eu não venho. Não consigo. Mas qualquer outra coisa eu estou aqui. Pode vir ver”, desafia a estudante, que justifica o seu lado aplicado. “Eu não tive muita oportunidade quando era jovem, mas sempre fui muito esforçada. Não tinha tempo também de estudar, mas sempre estava buscando instrução”.

E não é apenas para chegar ao Projeto Arrastão que Dona Margarida enfrenta desafios. Eles aparecem em outros momentos durante as aulas, por exemplo. Conta ela que esses tal desafio, certa vez, ganhou um nome, um rosto e uma profissão. Foi difícil vencê-lo. Mas assim foi feito. “Uma vez a professora me escolheu para ler uma poesia aqui e chamou um escritor no dia. Quando eu vi aquele escritor fiquei nervosa, só não desisti por consideração à professora. Eu fiquei pensando que não ia ler direito e ele iria pensar assim: nossa, uma senhora nessa idade e não sabe ler ainda. Mas eu li tudo. Foi um alívio”, sorri.

Em um ponto do nosso bate-papo, Dona Margarida olha para o alto. Os olhos se perdem. E ela começa a contar o que está se passando em sua cabeça. Ou coração. “Eu tenho um pedaço da família no Paraná, sabe, num lugar chamado Sítio das Borboletas. São dois irmãos. Um homem e uma mulher. Antonio é mais novo e Elza mais velha que eu. Tem 50 anos que eu não vejo os dois, acredita?! Meu sonho é poder reencontrá-los. Eu era uma criança quando eles foram para lá. Depois disso eu nunca mais falei com os dois”, respira fundo ao chegar ao ponto final, recém apresentado a ela.

Dona Margarida é uma de dezenas de adultos que o Projeto Arrastão recebe assim que sol começa a se por. Todos os dias. Gente que trabalha duro, mas que não deixa a sede por aprender sumir com o rotina. São três salas. Muitas “Donas Margaridas” com um sonho simples: ler e escrever suas próprias histórias. Nem que pra isso tenham que vencer o cansaço que chega inevitávelmente com a idade. “Eu gosto de livros, por exemplo, mas tenho que fazer tudo na minha casa antes de pegar um pra ler, sabe?! Aí vou fazendo as coisas e quando termino já estou tão cansada que fico desanimada de começar a ler. Mas eu sempre insisto”.

Persistência. Paciência. Essa mulher com nome de flor conhece muitas outras rimas para essas palavras que, vira e mexe, tornam a sua vida mais bonita de ser contada, escrita e lida. Em voz alta. Para toda a classe. Por ela mesma. E sozinha.

E o sonho de aprender vai ganhando forma. Dona Margarida está escrevendo, literalmente, sua própria história. Tenham, todos, uma boa leitura.

Na Rede

Página da Prefeitura de Três Pontas

Sobre o MOVA

 

 

 

 

 

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